quarta-feira, 18 de junho de 2008

Mandado de Segurança

Por Anderson Santana


1. Origem

Surgiu em conseqüência do desenvolvimento da doutrina brasileira do hábeas corpus, quando em 1926 se restringiu o uso dessa medida às hipóteses de ofensa ao direito de locomoção, os doutrinadores passaram a procurar outro instrumento para proteger os demais direitos. Inspirados nos writs do direito americano e do juicio de amparo do direito mexicano, instituiu-se o mandado de segurança.
Foi previsto nas Constituições anteriores de 1934 e 1946, e hoje se encontra previsto no artigo 5º, LXIX, da atual Constituição, além de estar disciplinado nas leis 1533/51 e 4.348/64.

2. Conceito

A Constituição contém duas formas de mandado de segurança, o individual (artigo 5º, LXIX), com o escopo de proteger direito subjetivo líquido e certo, e o coletivo (artigo 5º, LXX), com a finalidade defender direitos metaindividuais ameaçados ou lesados.
O mandado de segurança é conceituado por Guilherme Peña[1] como “remédio constitucional, sob procedimento especial, dirigido à tutela de direito, individual ou metaindividual, líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, ameaçado ou lesado por ato de autoridade pública ou agente delegado, eivado de ilegalidade ou abuso de poder”.
Essa a mesma idéia preconizada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2], para quem “mandado de segurança é a ação civil de rito sumaríssimo pela qual qualquer pessoa pode provocar o controle jurisdicional quando sofrer lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus nem habeas data, em decorrênciade ato de autoridade, praticado com ilegalidade ou abuso de poder.
José dos Santos Carvalho Filho[3] ao promover os estudos sobre o mandado de segurança o conceitua como “mandado de segurança é ação de fundamento constitucional pela qual torna possível proteger o direito líquido e certo do interessado contra ato do poder público”.
O professor Alexandre de Moraes [4] aponta que “o mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que eles se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder, constituindo-se verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política. Desta forma, importante ressaltar que o mandado de segurança caberá contra os atos discricionários e os atos vinculados, pois nos primeiros, apesar de não se poder examinar o mérito do ato, deve-se verificar se ocorreram os pressupostos autorizados de sua edição e, nos últimos, as hipóteses vinculadoras da expedição do ato”.
Pelo visto, então, o mandado de segurança nasceu para que o homem tenha um pronunciamento jurisdicional rápido quando sofrer lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus nem habeas data.

3. Natureza Jurídica

Embora tenha alicerce constitucional, o mandado de segurança é uma verdadeira ação, de natureza civil, e que deve ser estudado dentro da teoria geral do processo[5].
Castro Nunes[6], citado por Alexandre de Moraes, ensina que “garantia constitucional que se define por meio de pedir em juízo é garantia judiciária e, portanto, ação no mais amplo sentido, ainda que de rito especial e sumaríssimo”.
Daí por que Guilherme Peña de Moraes[7], mais uma vez, preleciona: “O mandado de segurança individual é recoberto de natureza dúplece, conforme seja investigado sob o ângulo constitucional ou processual.
Sob o aspecto constitucional, o mandado de segurança é sintetizado como remédio constitucional para a tutela de direito individual, líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, ameaçado ou lesado por ato de autoridade pública ou agente delegado, eivado de ilegalidade ou abuso de poder.
[...] Sob o aspecto processual, o mandado de segurança é sistematizado como ação cível, pela qual pretensão individual, singular ou plúrima, pode ser deduzida em juízo ou tribunal, submetida a procedimento especial de jurisdição contenciosa.”
Hely Lopes Meirelles[8] complementa: “Sendo ação civil, como é, o mandado de segurança enquadra-se no conceito de causa, enunciado pela Constituição da República, para fins de fixação de foro e juízo competentes para o seu jugamento quando for interessada a União (art. 109, I e VII), e produz todos os efeitos próprios dos efeitos contenciosos”.

4. Condições Específicas da Ação

O exercício do mandado de segurança está sujeita a duas condições específicas, primeiramente, direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, ameaçado ou lesado, e secundariamente, ato coator imputado à autoridade pública ou agente delegado, eivado de ilegalidade ou abuso de poder.

5. Partes

Parte não é, simplesmente, quem pede ou contra quem se pede a tutela jurisdicional, esse é um conceito restrito de parte. Com a palavra a Dra. Thereza Alvim[9]: “Parte, comumente se afirma, é aquela que pede ou contra quem se pede a tutela jurisdicional. Entretanto, nem sempre pedida esta tutela contra o réu, como ocorre nas hipóteses de haver legitimação extraordinária ou integração, em grau máximo, da capacidade daquele que deveria ser réu, eis que deste, a despeito de ser parte, nada deseja o autor. O mesmo se pode dizer em relação àquela que pede, eis que, nas mesmas hipóteses, nada pede ela para si. Ou seja, há que se fazer distinção entre aquele que é tutela da lide e o outro, que no seu lugar, aciona a jurisdição, ou em última análise, quem integra (enquanto parte) a relação jurídica processual”
Cândido Rangel Dinamarco[10], por sua vez é preciso: “Partes, em pura técnica processual, são os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz, ou seja, os sujeitos interessados da relação processual. São todos aqueles que, tendo proposto uma demanda em juízo (inclusive em processo pendente), tendo sido citados, sucedendo a parte primitiva ou ingressando em auxilio da parte, figuram como titulares das diversas situações jurídicas ativas ou passivas inseridas na dinâmica da relação jurídica processual (poderes, faculdades, ônus, deveres, sujeição). Esse conceito puramente processual de parte é o único capaz de explicar sistematicamente a contraposição parte-terceiro, sem distorções próprias das inconvenientes ligações com fenômenos de um direito substancial ou com objeto do processo”.
A legitimidade ativa no mandado de segurança é reconhecida a qualquer pessoa natural, formal ou jurídica, nacional ou estrangeira, pública ou privada, órgão independente e agente político.
Podem impetrar, também, os estrangeiros não-residentes no Brasil, pois a ação é colocada à disposição de todas as pessoas, nacional ou estrangeira, que se encontrem subordinadas à autoridade do ordenamento jurídico brasileiro. Da mesma forma pode ser exercido por todas as pessoas formais, verbis gratia, condomínio especial e massa falida, eis que a capacidade de ser parte não está condicionada à personalidade jurídica do impetrante da ação constitucional.
Sobre a legitimidade passiva, preleciona Guilherme Peña de Moraes[11]: “... é retratada em três posicionamentos. Carlos Alberto Menezes Direito, com o aplauso de Hely Lopes Meirelles, salienta que o agente público indicado como autoridade coatora seria o legitimado passivo para o mandado de segurança, tendo em conta que ‘o impetrado passivo para o mandado de segurança é a autoridade coatora, que não se confunde com entidade a que pertence . Isto é de fundamental importância, pois somente a autoridade coatora tem legitimidade passiva, devendo prestar e assinar as informações requisitadas pelo juízo ou tribuanl e cumprir o determinado na liminar ou sentença”.
Portanto, a observação que deve ser feita é que, o impetrado deve ser a autoridade coatora, e que as informações não têm as mesmas características da contestação, portanto, não induz a produção dos efeitos materiais da revelia. A falta de informação poderá facilitar a concessão da ordem e, também, acarretar responsabilidade funcional ao servidor omisso, mas sem revelia e nem desobediência em face do judiciário.
E continua o doutrinador, dizendo que “Lúcia Valle Figueiredo, com o apoio de José de Aguir Dias, sinaliza que a autoridade coatora e pessoa jurídica de Direito Público a que o agente público é vinculado, em litisconsórcio necessário, seriam os legitimados passivos para o mandado de segurança, tendo em mira que ‘a autoridade coatora é impetrada na ação de mandado de segurança, mas sujeito passivo, compondo a lide, também é a pessoa jurídica de Direito Público’. ‘A autoridade coatora age materialmente no exercício de suas atribuições , com a correspondente parcela de autonomia, daí decorrendo sua responsabilidade pessoal pelos atos que pratica, submetidos a censura pela ação de mandado de segurança’. Essa responsabilidade não exclui a responsabilidade da pessoa da pessoa jurídica de Direito Público, decorrente dos atos de seus agentes. Como resultante dessa responsabilidade solidária, afirma-se a legitimidade passiva do coator, ao lado da legitimidade passiva da pessoa jurídica de Direito Público”.
E arremata o autor, “Celso Agrícola Barbi, com aprovação de Ariovaldo Perrone da Silva, sustenta que a pessoa jurídica de Direito Público a que o agente público indicado como autoridade coatora é vinculado seria a legitimada passiva para o mandado de segurança, tendo em vista que ‘a nosso ver, a parte passiva no mandado de segurança é a pessoa jurídica de Direito Público a cujos quadros pertence a autoridade indicada como coatora. Como já vimos anteriormente o ato do agente público é ato da entidade da Administração Pública a que ele se subordina”.
No plano da legitimidade recursal, o artigo 499 do Código de Processo Civil permite que o recurso seja intentado pelo terceiro prejudicado. Segundo o mestre José Carlos Barbosa Moreira[12], o conceito de terceiro “determina-se por exclusão, em confronto com o de parte. É terceiro quem não seja parte, quem nunca o tenha sido, quer haja deixado de sê-lo em momento anterior àquele em que se profira a decisão”.
Logo, se anteriormente à decisão, por qualquer motivo o terceiro interveio na causa, será considerado parte e recorrente nessa condição.
O Ministério Público é oficiante necessário, e como fiscal da lei tem legitimidade para recorrer. Essa questão está pacificada e no Superior Tribunal de Justiça já se decidiu que (Resp 5.333-0-SP, 3ª Turma, Rel. Ministro Nilson Naves) “oficiando, em processos, como parte (órgão agente) ou como fiscal da lei (órgão interveniente), tem o Ministério Público legitimidade (ou interesse) para recorrer, sempre”.
Vige, outrossim, a súmula 99 do STJ que dispõe que “o Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que atuou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”.
Vale mencionar que, existe nulidade no fato de o Ministério Público não ser intimado, o que, também, lhe legitima para o recurso.
O ilustre professor Hely Lopes Meirelles[13] estabelece que “não basta a mera intimação do órgão do Ministério Público. É indispensável que o parquet realmente oficie no feito.
Bibliografia

ALVIM, Thereza. O direito processual de estar em Juízo, EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: EDITORA ALTAS.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de Terceiros. 3ª ed. São Paulo: MALHEIROS EDITORES.
FILHO, José dos Santos Carvalho Filho. Manual do Direito Administrativo. 16ª ed. Rio de Janeiro:EDITORA LUMEN JURIS.
FILHO, Vicente Grego. Direito Processual Civil Brasileiro. 19ª ed. São Paulo: EDITORA SARAIVA.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 29ª ed. São Paulo: MALHEIROS EDITORES.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º ed. São Paulo: EDITORA ATLAS.
MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: EDITORA LUMEN JURIS.
MORAES, Guilherme Pena de. Mandado de Segurança. 1ª ed. Rio de Janeiro: CEPAD.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: EDITORA FORENSE.

[1] Moraes, Guilherme Pena de. Mandado de Segurança. 1ª ed. Rio de Janeiro: CEPAD, 2001, p.7.
[2] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: EDITORA ALTAS, p. 636.
[3] Filho, José dos Santos Carvalho Filho. Manual do Direito Administrativo. 16ª ed. Rio de Janeiro:EDITORA LUMEN JURIS, p. 856.
[4] Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 19º ed. São Paulo: EDITORA ATLAS, p. 136.
[5] Filho, Vicente Grego. Direito Processual Civil Brasileiro. 19ª ed. São Paulo: EDITORA SARAIVA, p. 324.
[6] Apud Alexandre e Moraes. ibidem, p. 137.
[7] Moraes, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: EDITORA LUMEN JURIS, p.629.
[8] Meirelles, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 29ª ed. São Paulo: MALHEIROS EDITORES, p. 31.
[9] Alvim, Thereza. O direito processual de estar em Juízo, EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS, p. 9.
[10] Dinamarco, Cândido Rangel. Intervenção de Terceiros. 3ª ed. São Paulo: MALHEIROS EDITORES, p. 16.
[11] Moraes, Guilherme Peña de. Ibidem, p.642.
[12] Moreira, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: EDITORA FORENSE, p. 291.
[13] Meirelles, Hely Lopes, ibidem, p. 67.

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