quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Princípio inquisitório

Anderson Santana

O princípio inquisitório, como o nome sugere, permite ao juiz indagar questões que não foram pelas partes impugnadas em seus recursos.
Trata-se, aliás, de situação que ocorre com freqüência no foro judicial, em razão das chamadas questões de ordem pública. O juiz é obrigado, independentemente de qualquer insurgimento por parte do recorrente, a enfrentar estas questões, visto que elas não admitem disposição, bem como estão relacionados intrinsecamente à própria prestação da tutela jurisdicional, como requisitos necessários ao legítimo exercício da atividade judicante.
O mesmo se verifica em relação às situações que possam vir a comprometer a própria validade da prestação jurisdicional, como ocorre na presença de uma nulidade absoluta. Por isto que, independentemente de qualquer alegação, o tribunal poderá no julgamento da apelação anular a sentença que seja citra (o juiz decide aquém do que foi pedido), extra (o juiz julga fora do que foi pedido) ou ultra petita (o juiz julga além do que foi pedido), pelo fato de não ter sido ouvido o MP, ou ainda a sentença que possua fundamentação deficiente.
Nesse passo, conclui-se que através do princípio estudado é lícito ao julgador apreciar as questões de ordem pública, bem como as que comprometem a correta prestação jurisdicional.
Tal possibilidade consta, aliás, do artigo 301, § 4.º do CPC, o qual permite que as matérias enumeradas no artigo 301 sejam analisadas ex officio pelo juiz, pois não estão sujeitas à preclusão e podem ser examinadas a qualquer tempo e grau ordinário de jurisdição (só não podem ser alegadas, pela primeira vez, no RE ou REsp, por faltar o prequestionamento).
Em suma, o que este princípio estabelece é que determinadas matérias poderão ser conhecidas independentemente de constarem das razões recursais.
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OBS1: As questões de ordem pública devem ser ex officio, independentemente de pedido. As questões de direito indisponível são, por exemplo, as de família, de direitos difusos etc. Exemplos de questões de ordem públicas são as cláusulas abusivas.
OBS2: A 4.ª turma do STJ tem entendido que a não intervenção do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição pode ser suprida pela intervenção da Procuradoria de Justiça perante o colegiado de segundo grau, em parecer cuidando do mérito da causa sem argüir prejuízo nem alegar nulidade (REsp 2903). No mesmo sentido VI ENTA 42: “A intervenção da procuradoria da Justiça em segundo grau evita a anulação de processo no qual o Ministério Público não tenha sido intimado em primeiro grau, desde que não demonstrado o prejuízo ao interesse do tutelado”.
OBS3: A nulidade da sentença por infração ao CPC 458 deve ser decretada de oficio pelo Tribunal de Justiça.
OBS4: Sendo a tempestividade do recurso matéria de ordem pública, porque pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, deve ser conhecido de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC 267 § 3.º), não estando sujeita à preclusão (STJ, 6.ª Turma, AgRgAg 446875-SP, relator Ministro Fernando Gonçalves).

Juízes não cumprem a lei


*Afanasio Jazadji

Certo-certíssimo está o professor-doutor Zélio Furtado da Silva, da Universidade Federal de Pernambuco: “É preciso repensar o discurso segundo o qual a morosidade da Justiça tem como motivo o excessivo número de recursos, meio através do qual autor ou réu pedem ao tribunal a reforma de uma decisão proferida pelo juiz da causa. Para que tal afirmação fosse verdadeira ter-se-ia que admitir que os processos que não se interpõem recursos são rapidamente julgados e suas decisões do mesmo modo executadas. Tal não ocorre. Os processos nunca terminam nos prazos fixados por lei, mesmo não se interpondo recurso contra as decisões proferidas”.
Também se engana quem, maldosamente, confere aos advogados das partes a culpa pela morosidade da Justiça, atribuindo-se a esses profissionais adjetivos depreciativos, muitas vezes taxando-os como “mafiosos” vilões dessa prestação jurisdicional agonizante e frustrante.
“As partes e seus advogados são as verdadeiras vítimas de uma prestação jurisdicional morosa e tardia. Sujeitas ao formalismo do processo, aos prazos rígidos e fixados por lei, e sob permanente vigilância do juiz, são as partes e seus advogados quem menos contribuem para a demora nessa prestação jurisdicional”, ensina o professor.
“O verdadeiro problema na morosidade da Justiça – esclarece o Prof. Dr. Zélio Furtado – é o descumprimento dos prazos pelo juiz. E, secundariamente, a estrutura deficiente do Poder Judiciário. Vencidos esses dois entraves, a prestação jurisdicional ocorreria de forma célere e eficiente. Nunca me convenceu a idéia de que somente as partes são punidas quando não atendem aos prazos processuais enquanto os juízes nada respondem pelo retardamento na prolação dos despachos e decisões”.
Para o mestre em Direito, “a lei não empresta tratamento diferenciado, todavia não fixa sanção correspondente em caso do juiz não cumprir os prazos que lhe assiste no processo. Causa frustração e revolta às partes e seus advogados esperar dias por um mero despacho quando o juiz está obrigado a proferi-lo no prazo de 48 horas”.
E prossegue Zélio Furtado da Silva: “Por vezes, espera-se anos a fio por uma sentença, quando por lei está o juiz obrigado a proferi-la no prazo de 10 dias (art. 189, incisos I e II do Código de Processo Civil vigente), podendo exceder, por igual tempo, em casos de motivo justificado (art. 188 do mesmo CPC)”.
Na relação processual todos estão obrigados a cumprir prazos, ao que não cumpre cabe atribuir a responsabilidade pelo atraso. Via de regra, acontece do juiz não proferir o despacho ou decisão no prazo estabelecido. Portanto, é hipocrisia se dizer que o problema da morosidade da Justiça está no Código de Processo Civil e no número de recursos, quando não se cuida de estabelecer de forma objetiva uma sanção pecuniária para cada dia que o juiz retarde a prestação jurisdicional.
A alegada falta de estrutura para trabalhar, insuficiência de pessoal para auxiliá-lo, instalações inadequadas, espaço físico, número de processos, etc., não deixa de ser verdade, contudo essa carência não é culpa das partes nem dos seus representantes, não devendo desse modo ser prejudicados por conta do desleixo público.
O Estado-juiz quando chamou para si o monopólio da jurisdição obrigou-se perante a sociedade em provê-la suficientemente de condições de resolver suas contendas, seus conflitos, através unicamente do Poder Judiciário. Se tal Poder não oferece condições sequer de seus agentes cumprirem a Lei e realizar os atos processuais nos prazos no lapso de tempo previsto, é necessário então se repensar, urgentemente, sobre esse monopólio de jurisdição estatal, antes que outras instâncias informais brotem dessa sociedade tão carente de soluções rápidas, justas e eficientes de seus conflitos.
Não podemos nos esquecer do “Tribunal do Crime” recentemente descoberto pela Polícia, atuando na zona leste da Capital, “julgando” e castigando os “condenados” imediatamente. Descoberto apenas, porém não extinto como deveria, pois com a Justiça certa emperrada, a justiça espúria vai funcionando a todo vapor...

Afanasio Jazadji é advogado, jornalista, radialista e ex-deputado estadual.